Michael Bertovitch e Fabiana Karla em cena da peça “Gorda”, em cartaz em São Paulo
Como eu mesma disse quando apresentei a peça por aqui para a promoção, “Gorda” dá a leve impressão de ser uma comédia, do tipo “vou para o teatro rolar de rir e devo pensar um pouquinho”, assim como as boas comédias fazem.
Algo na sinopse me deixou com a pulga atrás da orelha, e mais ainda o fato do ator Michael Bertovitch ter sido indicado ao prêmio Shell. Não que comédias não concorram, não estou dizendo isso, mas apenas me atentei ao fato de que uma boa carga dramática devia acontecer ali, na parte masculina do casal, e não na moça gordinha do título da peça, interpretada por Fabiana Karla, atriz de “Zorra Total”, que empresta sua fama voltada para a comédia para contribuir com a bela surpresa que é este espetáculo.
No palco, eles são Tony e Helena, casal que se conhece por acaso num self-service. Ele comendo tofu, ela pudim. A bibliotecária carrega uma sacola de DVDs que se torna o assunto do par, e o executivo descobre que existe vida inteligente acima do manequim 44 (ou algo assim, texto da própria personagem).
Vidrado no alto-astral da moça, ele resolve deixar seu próprio preconceito de lado e mergulhar no relacionamento. Apaixonados, os dois passam a viver uma história linda, mas na escuridão. Enquanto Helena procura entender o porquê do namorado nunca levá-la para conhecer os amigos, ele passa o tempo se revezando entre os comentários de um colega de trabalho obcecado por mulheres de corpo perfeito (Mouhamed Harfouch) e uma ex-ficante (Flávia Rubim), também do trabalho. Uma garota narcisista que não consegue entender como foi trocada por uma… “gorda”.
Flávia Rubim em cena
Em pouco tempo, a plateia percebe o quanto os três personagens daquele escritório tem lá seus problemas. A mocinha que não consegue suportar o fora, o colega de trabalho que é traumatizado com mulheres gordas por situações de infância, e o protagonista, incapaz de dar um passo a frente por si próprio. Por fim, a única pessoa realmente feliz e bem resolvida é a nossa Helena, que ainda é obrigada a provar diariamente para o mundo que não está de dieta, e nem um pouco preocupada com isso.
Com direção primorosa de Daniel Veronese e um recorte de luz que praticamente fotografa os atores nos principais momentos da trama, “Gorda” tem um texto moderno e realista escrito por Neil Labute, que dá um belo soco no estômago de quem se importa com a opinião alheia – e outro em quem acha que isso simplesmente não importa.
Em tempo: é merecida a indicação de Bertovitch e Fabiana Karla ganhou aqui uma fã, pois bem sabem os atores o quão difícil é interpretar um personagem que se aproveite de alguma característica tão sua, por mais que seja física.
Sobre o papel, a atriz declarou à Folha de S. Paulo: “É muito forte o que eles dizem de Helena pelas costas. Mas o preconceito é uma coisa real. Sempre me param depois do espetáculo para contar experiências. Virei uma espécie de Leila Diniz das gordinhas. Sou a voz que representa muita gente”.
Ao final, fica a pergunta: quanto vale o espelho? E o amor?
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